"Muitas vezes e de muitos modos falou Deus aos nossos pais, nos tempos antigos, pelos profetas. Nestes dias, que são os últimos, falou-nos por meio do Filho."
— Hebreus 1, 1-2
Amigos, a paz! No nosso último artigo, falamos sobre a Fé — a nossa resposta inteligente ao chamado de Deus. Mas para que haja uma resposta, é preciso haver uma pergunta, uma voz que chama primeiro.
A Analogia do "Código sem Documentação"
Imagine que você é um desenvolvedor de software que acaba de herdar um sistema complexo. Você olha o código e vê que ele funciona, mas não há documentação, não há comentários e o criador original desapareceu sem deixar contato. Você pode até deduzir como a máquina opera, mas jamais saberá a intenção profunda do arquiteto. A sensação é de desamparo, não é?
Muitos filósofos imaginaram Deus assim: um "Grande Arquiteto" que criou o universo, deu a corda e se retirou num silêncio eterno.
Mas a fé católica nos traz a notícia mais extraordinária da história: Deus rompeu o silêncio. Ele não nos deixou sem "documentação". Ele quis se comunicar. A esse ato chamamos de Revelação Divina.
1. O Conceito: "Tirar o Véu"
A palavra "revelação" vem do latim revelatio (em grego apokalypsis), que significa literalmente "tirar o véu". O Catecismo da Igreja Católica (CIC) ensina que Deus, em sua bondade e sabedoria, "quis revelar-se a si mesmo e dar a conhecer o mistério da sua vontade" (CIC, n. 51).
Preste atenção nisto: Deus não se revela para satisfazer uma curiosidade científica. Ele se revela para nos convidar à amizade. Ele abre seu "coração" para que possamos entrar em comunhão com Ele.
2. A Lógica da Revelação: Por que é necessária?
Como alguém de exatas, você poderia me perguntar: "Wendel, mas a razão humana já não prova que Deus existe observando o universo? Para que precisaríamos da Bíblia ou da Igreja?"
Aqui entra a genialidade de São Tomás de Aquino. Na abertura da Suma Teológica (I, q. 1, a. 1), ele explica que a Revelação era, sim, necessária por dois motivos:
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1. O nosso fim é sobrenatural
O ser humano foi feito para viver eternamente com Deus. Ora, a nossa razão natural é limitada (como um hardware básico). Para alcançarmos um objetivo que está acima da nossa natureza, precisamos de instruções que também venham de cima.
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2. A certeza para todos
Sem a Revelação, a verdade sobre Deus seria descoberta "por poucos, depois de muito tempo e com mistura de muitos erros", diz Tomás. Deus quis falar para que todos — do simples ao douto — pudessem conhecê-Lo com firmeza.
3. A Pedagogia de Deus: O Passo a Passo
Deus é o Pedagogo perfeito. Ele não "despejou" toda a luz de uma vez, pois ficariamos cegos. Ele se revelou gradualmente:
- Pela Criação (Revelação Natural): O universo é o primeiro livro de Deus. Santo Agostinho nos convida a "interrogar" a natureza: "Interroga a beleza da terra, do mar, do ar... Todos te responderão: 'Vê, somos belos'. A beleza deles é a sua confissão" (Sermão 241). A criação grita que tem um Autor.
- Pela História (Revelação Sobrenatural): Deus escolheu um povo e fez Alianças (com Noé, Abraão, Moisés). Ele enviou profetas para educar a esperança de Israel, corrigindo a rota e preparando o terreno.
4. Cristo: A Palavra Definitiva
Toda essa preparação no Antigo Testamento apontava para um único centro. Na "plenitude dos tempos", a pedagogia de Deus atingiu seu ápice. Ele não enviou mais um profeta. Ele enviou o Seu próprio Filho.
"Ao nos dar o Seu Filho, Deus nos disse tudo de uma só vez. Deus, por assim dizer, 'ficou mudo', pois não tem mais nada a acrescentar."
— São João da Cruz
Isso é vital para nós hoje: a Revelação Pública está encerrada. O "manual" está completo em Jesus. Não devemos correr atrás de novidades ou supostas aparições que prometem "novas doutrinas".
Amigos, não cremos em um Deus mudo e distante. Cremos no Deus que fala e que Se entregou a nós.
Mas se a Revelação parou com os Apóstolos e Jesus já subiu aos céus, onde esse tesouro ficou guardado? Como ter certeza de que a mensagem não foi corrompida em 2.000 anos de "telefone sem fio"?
É aqui que entra o "sistema de segurança" de Deus: as Fontes da Revelação. É o tema do nosso próximo artigo.
Até lá!