"Assim, pois, irmãos, ficai firmes e conservai as tradições que de nós aprendestes, seja por palavras, seja por carta nossa."
— 2 Tessalonicenses 2, 15
Amigos, a paz! Ao adentrarmos no mistério da transmissão da fé, deparamo-nos com uma verdade fundamental muitas vezes esquecida: a fé cristã não é uma "religião do Livro", mas sim a religião da Palavra de Deus. E esta Palavra não é um texto mudo, mas o Verbo Encarnado e Vivo: Jesus Cristo.
No artigo anterior, estudamos a Sagrada Escritura. Agora, precisamos compreender o ambiente vital onde essa Escritura nasceu e onde ela é interpretada corretamente: a Sagrada Tradição.
Longe de ser um mero apego ao passado ou a costumes humanos, a Tradição é a atualização perene da presença de Cristo na sua Igreja.
1. A Anterioridade Histórica da Igreja
Um fato histórico inegável desmonta a tese da Sola Scriptura (apenas a Bíblia): a Igreja é anterior ao Novo Testamento. Antes que São Paulo escrevesse sua primeira carta ou que os Evangelistas redigissem a vida de Jesus, a Igreja já existia, celebrava a Eucaristia, batizava e transmitia a fé.
Como o Evangelho foi transmitido?
- Oralmente: Pelos apóstolos que transmitiram o que receberam da boca de Cristo.
- Por escrito: Pelos apóstolos que puseram a mensagem em papel sob inspiração do Espírito Santo.
Portanto, a Tradição não é um acessório; ela é o berço da Bíblia.
2. O Conceito Teológico (Paradosis)
A palavra grega usada no Novo Testamento é Paradosis, que significa "ato de entregar", "transmitir". Deus Pai entregou a Palavra a Jesus; Jesus entregou aos Apóstolos; os Apóstolos entregaram aos seus sucessores (os bispos), e assim a fé chega até nós.
São Tomás de Aquino levanta uma questão pertinente: "Por que Cristo não escreveu nada?". O Doutor Angélico responde que Cristo, sendo o Mestre mais excelente, quis imprimir sua doutrina não em pergaminhos que envelhecem, mas no coração dos seus discípulos. A Tradição é essa "escrita no coração da Igreja".
3. Unidade Orgânica: Uma Só Fonte
A Constituição Dogmática Dei Verbum esclarece que Bíblia e Tradição não são rivais, mas "derivam da mesma fonte divina, fazem como que uma coisa só e tendem ao mesmo fim" (DV 9).
A Escritura é a Palavra de Deus enquanto redigida; a Tradição é a Palavra de Deus enquanto transmitida integralmente pela Igreja.
4. O Argumento de Autoridade
Santo AgostinhoComo saber quais livros são inspirados e quais não são? A Bíblia não traz um "índice" inspirado dentro dela mesma. Aqui entra o papel insubstituível da Tradição. Santo Agostinho formulou o célebre princípio:
"Eu não creria no Evangelho, se a isso não me movesse a autoridade da Igreja Católica"
— Contra Epistolam Manichaei
Aceitar a Bíblia e rejeitar a Tradição é uma contradição lógica, pois é rejeitar a autoridade que definiu o Cânon bíblico.
5. Distinção Necessária: Tradição e tradições
Por fim, é vital distinguirmos a Grande Tradição (o depósito da fé imutável) das pequenas tradições (costumes disciplinares, litúrgicos ou devocionais).
Refere-se ao que recebemos dos Apóstolos: os dogmas, os sacramentos, o ministério ordenado. Isso é irreformável.
Formas históricas de expressão (arte, cores litúrgicas, devoções). Podem ser modificadas pela Igreja conforme a necessidade.
Conclusão
A Sagrada Tradição é a garantia de que não cremos num "Cristo do passado" ou num "Cristo da minha imaginação", mas no Cristo Real, guardado fielmente pela sucessão apostólica. É ela que dá vida à letra da Escritura, impedindo que ela se torne letra morta.
No próximo artigo, encerraremos o estudo das fontes da Revelação abordando aquele que tem a responsabilidade de guardar e interpretar este depósito sagrado: o Sagrado Magistério.
Até lá!